Por Fabrício Correia
O Brasil acaba de conquistar um feito inédito no Oscar. “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, não apenas garantiu indicações históricas como Melhor Filme Internacional, Melhor Atriz para Fernanda Torres e, pela primeira vez na história do país, Melhor Filme – a categoria mais importante da premiação, como ganhou a estatueta dourada na categoria Melhor Filme Internacional. Se havia alguma dúvida sobre o potencial do cinema brasileiro, ela foi enterrada definitivamente com este reconhecimento. Mas a euforia da vitória deve vir acompanhada de uma reflexão: o que faremos com esse momento? O Brasil está pronto para transformar esse sucesso em um novo ciclo de fortalecimento da sua indústria audiovisual?
Historicamente, a trajetória do cinema brasileiro no Oscar foi marcada por lutas e obstáculos. Estivemos lá com “O Pagador de Promessas” (1962), “O Quatrilho” (1996), “O Que É Isso, Companheiro?” (1998), “Central do Brasil” (1999), sem contar “Cidade de Deus” (2004) e o documentário “Democracia em Vertigem” (2020), mas o reconhecimento global de um filme brasileiro na categoria principal sempre foi um sonho distante – até agora.
“Ainda Estou Aqui” chegou ao Oscar carregando não apenas sua própria grandiosidade artística, mas também o peso de uma indústria que foi sistematicamente destruída por décadas. A história do cinema brasileiro não é uma linha ascendente de evolução constante. Ela é uma montanha-russa de explosões criativas e colapsos institucionais. De Collor a Bolsonaro, vimos o desmonte da cultura nacional, o corte de verbas, a censura velada e explícita, e a constante desvalorização da arte enquanto um pilar fundamental da identidade nacional. O fato de chegarmos até aqui, mesmo após tantas tentativas de destruição, é um milagre que não pode ser ignorado.
Quando Fernando Collor extinguiu a Embrafilme em 1990, o cinema nacional foi atirado a um abismo. Sem financiamento público, a produção caiu a níveis vergonhosos, e uma indústria que vinha se consolidando nos anos anteriores simplesmente parou de existir. Foi preciso quase uma década para que o setor começasse a se reerguer com o governo FHC e a criação da Ancine em 2001 e com os investimentos das gestões de Lula e Dilma, que fortaleceram o Fundo Setorial do Audiovisual e criaram políticas de fomento que finalmente permitiram que cineastas brasileiros tivessem condições dignas de trabalho.
Mas a estabilidade nunca veio. O golpe de 2016 colocou o setor cultural em estado de alerta, e o governo Bolsonaro atacou o audiovisual com uma fúria inédita. A Ancine foi enfraquecida, projetos foram censurados, leis de incentivo foram ameaçadas e a cultura passou a ser vista como inimiga do Estado. Filmes brasileiros, mesmo premiados internacionalmente, foram ridicularizados pelo próprio governo. Quem viveu esse período sabe o quanto a indústria sofreu para continuar respirando.
E, ainda assim, aqui estamos. “Ainda Estou Aqui” não é apenas um filme. Ele é uma afirmação de que, apesar de todas as tentativas de destruição, o cinema brasileiro resistiu. Mais do que isso: provou que não apenas sobreviveu, mas é capaz de estar entre os melhores do mundo.
Mas vencer um Oscar não é suficiente. O cinema nacional precisa de políticas que garantam que essa conquista não seja um evento isolado, mas sim o início de uma nova era para a indústria audiovisual brasileira. O que aprendemos com países que investem pesado em suas produções locais, como França, Coreia do Sul, Alemanha e Canadá, é que o cinema não é apenas arte – é um ativo estratégico. É uma ferramenta de projeção internacional, uma indústria que movimenta bilhões e gera milhares de empregos diretos e indiretos.
A Coreia do Sul, por exemplo, investiu pesadamente em sua cultura e colheu frutos com o sucesso de “Parasita”, que em 2020 se tornou o primeiro filme falado em língua não inglesa a vencer o Oscar de Melhor Filme. O impacto desse reconhecimento foi imediato: novos investimentos no cinema coreano, maior presença em festivais internacionais e um aumento do interesse global pelas produções do país. O Brasil tem todas as condições de seguir esse caminho, mas precisa fazer escolhas certas.
A ascensão do streaming trouxe novas oportunidades para o audiovisual brasileiro. Plataformas como Netflix, Amazon Prime Video, HBO Max e Disney+ passaram a investir em produções nacionais, gerando um novo mercado para séries e filmes brasileiros. Produções como “3%”, “Bom Dia, Verônica” e “Dom” conquistaram públicos internacionais e provaram que há um interesse real pelas histórias que temos a contar. Mas depender exclusivamente do streaming não é suficiente.
É fundamental que o cinema brasileiro continue vivo nas salas de exibição. O governo precisa garantir que as produções nacionais tenham espaço para competir de igual para igual com os blockbusters de Hollywood. Políticas de cotas de exibição, incentivos para distribuição e subsídios para produções independentes são essenciais para que essa indústria continue crescendo. Não podemos nos dar ao luxo de voltar ao ciclo de destruição que já enfrentamos no passado.
O reconhecimento de “Ainda Estou Aqui” no Oscar 2025 deve ser o gatilho para um novo ciclo de valorização do cinema brasileiro. Isso significa revitalizar a Ancine, fortalecer o Fundo Setorial do Audiovisual, garantir linhas de financiamento estáveis e criar um ambiente onde cineastas possam trabalhar sem medo de censura ou boicote político. Significa, acima de tudo, reconhecer que o cinema não é um luxo – é uma necessidade.
Os efeitos das indicações já começaram a aparecer. O público nos cinemas brasileiros dobrou desde o anúncio do Oscar, provando que o reconhecimento internacional desperta o interesse pelo cinema nacional. Mas não podemos esperar que o mercado resolva tudo sozinho. Se o Brasil quer consolidar sua posição no cenário global, precisa agir agora.
A vitória de “Ainda Estou Aqui” é um momento de celebração, mas também de reflexão. Temos talento, temos histórias poderosas, temos uma das cinematografias mais vibrantes do mundo. O que falta é uma política de Estado que enxergue a cultura como um dos pilares do desenvolvimento nacional. O Oscar nos deu visibilidade. Agora, precisamos transformar essa conquista em uma nova fase de crescimento para o audiovisual brasileiro.
Ganhamos o Oscar. E agora? Agora, o Brasil tem a chance de finalmente dar ao seu cinema o valor que ele merece. A pergunta que fica é se teremos coragem de aproveitar essa oportunidade ou se deixaremos esse momento escapar, mais uma vez.
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*Fabrício Correia é escritor, jornalista, crítico de cinema e professor universitário. Fundador da Frente Parlamentar do Audiovisual Brasileiro, ex-diretor do Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica e membro da Academia Brasileira de Cinema