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Imagens, preconceitos, rótulos e inclusões: o circo de horrores e o contraste com a beleza

A feiura que vem comprovar a beleza

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Régina Badét. (Foto: Reprodução)

A coluna anterior abordou reflexões a respeito do circo de horrores e as exibições de corpos que causavam espanto, despertavam curiosidade, medo e até horror nos espectadores, mas naqueles espetáculos também tinham as apresentações de corpos e rostos classificados como exóticos diante da   beleza oriental, o que reforçava aspectos do racismo aliados ao exotismo através da perspectiva do Orientalismo .

O Orientalismo foi e ainda é   uma ampla discussão a respeito do imaginário que foi construído pelos europeus em torno dos territórios que sofreram com a dominação imperialista europeia e, também, estadunidense no século XIX e início do século XX, como o caso do Oriente Médio, entre outros espaços geográficos. No entanto, o foco da discussão voltou-se com maior expressividade para o corpo feminino, sobre o qual, no senso comum, a imagem da mulher de origem árabe emergiu como velada, tendo seu corpo, cabeça, cabelos e rosto parcialmente ou totalmente cobertos chegando ao extremo da burca, ou descobertos e com os trajes de odalisca como sinônimo de escrava sexual que vivia em um harém, isto é, um lugar de prazeres sexuais.

O termo odalisca tem origem da palavra uadahlik, do idioma turco, que significa camareira e que tinha várias funções e ocupações dentro dos espaços privados das residências no período. Nem todas as odaliscas dedicavam-se ao entretenimento e/ou eram dançarinas de uma espécie de bordel, como foi retratado o harém pelo imaginário ocidental.

A composição do imaginário orientalista foi divulgada através de pinturas, fotografias, apresentações teatrais até mesmo pelas imagens cinematográficas e, apesar dos circos de horrores serem conhecidos por seus espetáculos permeados pelo horror, as representações do exotismo pelo viés da beleza excêntrica ocorreram.

O circo de Barney e seus sócios ficou conhecido como o maior espetáculo da Terra, e, para fazer contraste com todas as “aberrações” e, ao mesmo tempo, manter o olhar sobre o outro de origem étnica não europeia, foram exibidas mulheres consideradas de beleza rara e perfeita como foi o caso das mulheres consideradas exóticas. Da mesma forma que o Orientalismo foi uma criação da mentalidade hegemônica ou seja do poder Ocidental sobre as etnias do Oriente Médio, a produção da estética da beleza exótica foi reinventada para servir aos espetáculos.

Zobeide Luti. (Foto: Reprodução)
Odalisque, Leon Francois Comerre (French painter, 1850-1916). (Foto: Reprodução)

As três imagens trazem amostras da estética do Orientalismo. Na sequência, a fotografia de Zobeide Luti, que representou nos espetáculos de Barnum a beleza circassiana, o nome da moça não é o verdadeiro, pois a mesma foi contratada para representar uma mulher que foi retirada de um harém e teria sido comprada no mercado turco em meio às guerras entre a região russa do Cáucaso (Circassia) e a Turquia daí  vem  o termo circassiana.

Abaixo dela vem Anne Régine Badet, atriz e dançarina de teatro e cinema, suas coreografias e figurinos remetiam ao Orientalismo. Régine Badet, como ficou popularmente conhecida, chegou a dividir o palco com Mata Hari que foi um ícone de grande fama no início do século XX. Dados biográficos afirmam que ela foi prostituta e atuou também como espiã em favor dos alemães durante a primeira guerra mundial (1914-1918). Ambas as imagens fazem interface com a pintura Odalisque do pintor Léon François Comerre.

É evidente que os detalhes das três iconografias aqui apresentadas trazem outras questões de suma importância, inclusive sobre o corpo feminino e sobre a construção do imaginário orientalista voltado aos homens com as figuras dos sultões, califas e príncipes árabes que também foram envoltos por aspectos da beleza, do mistério e da masculinidade excêntrica ou exótica. As representações sobre aqueles homens também não deixaram de lado nuances de sensualidade. Contudo, a análise da questão orientalista nesse artigo está voltada para exploração da imagem do outro através de estereótipos e, além dos árabes, outras etnias de origem cigana e hindu também foram estereotipadas.

As iconografias aqui apresentadas mostram três mulheres que aparentam estar à disposição para servir sexualmente ou não a alguém. Todas estão em posição de espera. Zobedi Luti está sentada recostada envolvendo com as mãos um vaso em estilo Oriental; Régina Badet está semideitada sorrindo com uma indumentária orientalista, elementos da cena da pintura de Comerre estão nas fotografias como a postura do corpo e a presença dos objetos orientais, no caso da pintura, próximo da mulher que representa a odalisca há um narguilé, uma espécie de cachimbo aromatizado, que funciona com o vapor d’água, um instrumento musical próximo aos seus pés em um ambiente onde tecidos leves, e por isso esvoaçantes, cobrem o móvel e o travesseiro onde ela está recostada. Nota-se que Zobedi Luti está apoiada em um móvel coberto por um tecido onde há um desenho de formas orientais na barra. As três figuras femininas demonstram estarem ali para o entretenimento do seu público, fosse pela dança, pela sexualidade, pela beleza e juventude. O hedodismo e o exotismo estão presentes nas imagens, assim, pinturas, fotografias e outras cenas iconográficas exibidas nos teatros, nos cinemas e nos circos, confeccionaram o imaginário orientalista que viera contrastar com a beleza europeia considerada de maior valor, enquanto os “monstros” vieram ser modelos de corpos e rostos desprezíveis os quais eram indignos de serem aceitos socialmente e por isso denominados como anormais.

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